Ana
Angélica Wilske[1]
Vilisa
Rudenco Gomes[2]
1 INTRODUÇÃO
Este artigo tem como tema a aquisição e a compreensão da LIBRAS (Língua
brasileira de Sinais) no processo de ensino de alunos surdos.
Partindo do pressuposto
que as aulas sejam ministradas em LIBRAS, a escolha deste tema se justifica pela
necessidade de compreender como o professor atua em sua prática pedagógica, uma
vez que, além de ser a língua oficial da comunidade surda, é um direito assegurado
com a implementação da lei (LDB, 1996) que garante a todos os portadores de
necessidades especiais o acesso a uma modalidade de educação especial,
oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino.
Contudo, através de estudos anteriores, foi possível constatar que nem
sempre a LIBRAS é a primeira língua, pois um número significativo de surdos
apresenta uma linguagem, com designações muito particulares e não convencionadas,
o que na maioria das vezes, acaba por gerar dificuldades no aprendizado.
Pensando nessas dificuldades e na futura universalização da escrita da
Língua, também protegida por lei, a proposta de ensino desta Instituição é que
os alunos aprendam não diretamente a Língua Portuguesa, mas também da escrita da LIBRAS, que se dá através da escrita dos
sinais.
O problema que se apresentou como questão central foi compreender como se
dá o aprendizado da LIBRAS como L1 (primeira Língua) e da Língua portuguesa como
L2(segunda Língua), das crianças surdas de uma escola cascavelense.
Para se chegar a este objetivo fez-se necessária a elaboração dos
objetivos específicos que buscam apontar as percepções dos professores quanto
ao ensino da LIBRAS; compreender o processo de aprendizagem da Língua de Sinais
e Língua Portuguesa (L1) e (L2); e investigar os procedimentos metodológicos
dos professores e o aprendizado dos alunos.
A fundamentação teórica através da qual pôde ser feita a análise e
reflexão baseia-se na LDB (Lei de Diretrizes e Bases Nacional) que trata dos
direitos relacionados à inclusão de crianças portadoras de necessidades
especiais preferencialmente no ensino regular, ou não sendo possível, em escolas
especializadas que atendam às condições específicas dos alunos, entre outras
bibliografias que tratam da inclusão ou aquisição da Língua Portuguesa, tais
como: Declaração de Salamanca, Lei 10436/02 que reconhece a LIBRAS como Língua
Brasileira de Sinais, Menezes e Santos (2002), Karnopp e Klein (2007), Karnopp
(2003, 2005), Lebedeff (2004), Farias (2006), Quadros (1997, 2000), Lacerda
(2000).
A abordagem do tema apresentado neste artigo foi organizada em três
capítulos que compreendem: LIBRAS e Surdez – Conceitos, O processo de
aprendizagem de L1 e L2 em crianças surdas, Práticas docentes no contexto
institucional.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
SURDEZ E INCLUSÃO
A educação inclusiva propõe a participação de todos os estudantes nos
estabelecimentos de ensino regular. Contudo, é possível reconhecer que há
situações em que os alunos precisam de atendimento especializado, o qual exige
realmente reestruturação da cultura, da prática pedagógica e políticas que
atendam à diversidade dos alunos, mudanças que realmente possam atender às
necessidades dos alunos.
O presente trabalho não pretende centrar-se em termos médicos, mas
atingir o conhecimento das limitações na aquisição da L1 e L2, ou seja, LIBRAS
ou Língua Portuguesa, ao aluno surdo, por isso, faz-se um breve conceito sobre
surdez.
Entende-se surdez, em termos médicos, categorizada em níveis do ligeiro
ao profundo. Os tipos de surdez quanto ao grau de perda auditiva:
- Perda auditiva leve: não tem efeito significativo no desenvolvimento
desde que não progrida, geralmente não é necessário uso de aparelho auditivo;
- Perda auditiva moderada: pode interferir no desenvolvimento da fala e
linguagem, mas não chega a impedir que o indivíduo fale;
- Perda auditiva severa: interfere
no desenvolvimento da fala e linguagem, mas com o uso de aparelho auditivo
poderá receber informações utilizando a audição para o desenvolvimento da fala
e linguagem;
- Perda auditiva profunda: sem intervenção a fala e a linguagem
dificilmente irão ocorrer.
Do ponto de vista educacional, a surdez não interfere no desenvolvimento
cognitivo, mas para que a criança tenha um bom desenvolvimento, o Governo
brasileiro implementou a Lei 10436/02
que reconhece a LIBRAS como língua sendo de direito aos surdos através de um
intérprete e que as aulas sejam ministradas em LIBRAS através deste
profissional. Entende-se LIBRAS, segundo a mesma Lei, como a forma de
comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza
visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico
de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do
Brasil.
A LIBRAS,
como toda língua de Sinais, é uma modalidade gestual-visual porque utiliza,
como canal ou meio de comunicação, movimentos gestuais e expressões por faciais que são percebidos pela visão;
portanto, diferencia-se da Língua Portuguesa, que é uma língua de modalidade
oral-auditiva por utilizar, como canal ou meio de comunicação , sons
articulados que são percebidos pelos ouvidos. Mas, as diferenças não são somente
na utilização de canais diferentes, estão também nas estruturas gramaticais de
cada língua. (REVISTA DA FENEIS, número 2, p.16).
Em função das diferenças entre as duas línguas, mostra-se a dificuldade
em incluir alunos surdos em sala de aula. A adaptação do aluno torna-se mais
difícil em função da dificuldade do professor de ensinar a estrutura da LIBRAS,
inserida na Língua Portuguesa.
Para Menezes e Santos (2002), o princípio fundamental da escola
inclusiva, de que trata a Declaração de Salamanca, é o de que todas as crianças
deveriam aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou
diferenças que possam ter. Dentro das escolas inclusivas, as crianças com
necessidades educacionais especiais deveriam receber qualquer apoio extra que
possam precisar, para que se lhes assegure uma educação efetiva (...)”.
Mesmo que a proposta de inclusão seja coerente, na prática ela torna-se
uma dificuldade e esse aprendizado simultâneo de que trata a Declaração, nem
sempre acontece. Mesmo em turmas ditas como “heterogêneas”, cada aluno tem seu
ritmo de aprendizagem e desenvolvimento. Da mesma forma, acontece com a
aquisição da língua, que em condições adversas, acaba por “excluir” o aluno e
frustrar o professor.
A EDUCAÇÃO ATRAVÉS DO BILINGUISMO
Farias (2006), apresenta
um estudo de caso no qual o bilinguismo, ou seja, o conhecimento de LIBRAS e
Língua Portuguesa caracterizaram-se como descontextualizadas e por meio de
estratégias próprias ao ensino de ouvintes e dessa forma, questiona a aquisição
de L1 e L2 nesse meio. A pesquisa foi feita através de observações e coleta de
dados com produções feitas pelos próprios alunos, trabalhos estes, que ao longo
do semestre pouco evoluíram em conhecimento, grau de dificuldade e aquisição da
língua escrita.
Também Karnopp e Klein (2007)
investigam a realidade educacional e linguística dos alunos surdos, partindo de
histórias infantis traduzidas e contadas por professores que têm pouco
conhecimento da LIBRAS e baseiam suas metodologias na cultura oral, sendo a
língua um fator distanciador entre professor e aluno. Karnopp (2003, 2005) e
Lebedeff (2004) acrescentam que os textos produzidos na escola são,
freqüentemente, artificiais e simplificados, desconsiderando as diferentes
práticas discursivas, os diferentes gêneros textuais e a capacidade dos surdos.
Ao comparar as diversas propostas de ensino de L1 e L2, é possível
ressaltar que a escrita de grafemas que representam a LBRAS tem trazido mais
resultados positivos. É a mesma da Língua de Sinais, só que em forma escrita,
formada por unidades que correspondem às configurações de mão, os movimentos e
as expressões faciais em diferentes pontos de articulação formam palavras
mediante algumas combinações e contextos. Para Quadros (1997, p.6); a LIBRAS
deve ser entendida como forma de aquisição da linguagem e ainda, a
alfabetização deve ser através desses grafemas que representam diretamente a
Língua de Sinais.
Essa forma de proposta
bilíngüe busca valorizar os direitos da pessoa surda, pois a aquisição da Língua
de Sinais como primeira língua é a forma de oferecer-lhe um meio natural de
aquisição linguística, ou seja, apropriar-se de sua língua como direito a
qualquer outra pessoa.
Contrapondo-se à
valorização unicamente da LIBRAS, Lacerda (2000, p.73), ao sinalizar, a criança
desenvolve sua capacidade e sua competência linguística, numa língua que lhe
servirá depois para aprender a língua falada (através da oralização e leitura
labial), do grupo majoritário, como segunda língua, tornando-se bilíngue, numa
modalidade de bilinguismo sucessivo. Contudo, a proposta aqui apresentada, não
é de oralização e leitura labial, o que muitas vezes ocorre naturalmente, pela
necessidade de comunicação, mas pela comunicação através da LIBRAS, L1 do surdo
devendo ser respeitada como tal.
Somado a isso, Quadros
(1997a, p. 28) apud FARIAS cita ainda a declaração dos direitos humanos linguísticos,
segundo a qual
[...]
todos os seres humanos têm o direito de identificarem-se com uma língua materna
e de serem aceitos e respeitados por isso; todos têm o direito de aprender a
língua materna(s) completamente, nas suas formas oral (quando fisiologicamente
possível) e escrita; todos têm o direito de usar sua língua materna em todas as
situações oficiais (inclusive na escola); todos os utentes de uma língua
materna não-oficial em um país têm o direito de serem bilíngües, isto é, o
direito de terem acesso a sua língua materna e à língua oficial do país.
Para que se efetive o
bilinguismo, faz-se necessário sujeitos conhecedores de ambas as línguas. De
nada adianta que o surdo saiba a LIBRAS e mesmo assim esteja fora do contexto
social no qual inevitavelmente está inserido. O bilinguismo deveria fazer parte
do currículo de atividades das escolas, para que não fosse língua exclusiva dos
surdos, mas que servisse como meio de comunicação entre surdos e ouvintes
bilíngües. A partir desse conceito, poderia se pensar em inclusão.
Quanto às formas de
bilinguismo existentes em termos de educação de surdos, Quadros (1997a, p. 30) apud
FARIAS cita duas configurações básicas: “uma delas envolve o ensino da segunda
língua quase de forma concomitante à aquisição da primeira língua, e a outra caracteriza-se
pelo ensino da segunda língua somente após a aquisição da primeira língua”. A
linguista, no entanto, considerando Skutnabb-Kangas (1994), ressalta que a
primeira forma depende da origem das duas línguas, ou seja, a aquisição da
língua de sinais e o desenvolvimento da língua oral ocorrem paralelamente, “se
a aprendizagem das duas línguas se der dentro da própria família com falantes
nativos e/ou se a aprendizagem de duas línguas ocorrer paralelamente como
necessidade de comunicação” (QUADROS, 1997a, p. 31).
Já Lacerda (2000) verifica a falta de preparo da comunidade escolar em
relação ao aluno surdo e idealiza a escola na qual o aluno possa realmente
estar inserido e ser compreendido em sua Língua através de intérprete. A
pesquisa que levou á essa constatação se fez através de videogravações em uma
sala de aula com uma criança surda, sem domínio do português falado e usuária
da LIBRAS, mostrando-se desmotivada com as atividades inspiradas na língua oral.
Segundo Lacerda (2000, p.80, 81), esse contato revela tensões, dificuldades de
articulação, impasses – que não convergem, contudo, para um confronto, mas sim
para ajustes, negociações e trocas que apontam para infinitas possibilidades de
composição dentro do espaço educacional.
A educação de surdos
continua apresentando muitas dúvidas a professores, alunos ouvintes, alunos
surdos, pais... Contudo, a proposta de educação bilíngue, ou ainda, inclusiva,
irá continuar dependendo do cumprimento de leis, melhor formação de
professores, mais envolvimento da comunidade escolar, do contexto cultural e
social. A partir dessas modificações, a tão aspirada educação passará de
“tentativa” para “realidade”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário