terça-feira, 24 de janeiro de 2012

ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS AUDITIVAS NO ENSINO REGULAR E A AQUISIÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA



Ana Angélica Wilske[1]
Vilisa Rudenco Gomes[2]

1 INTRODUÇÃO

Este artigo tem como tema a aquisição e a compreensão da LIBRAS (Língua brasileira de Sinais) no processo de ensino de alunos surdos.
Partindo do pressuposto que as aulas sejam ministradas em LIBRAS, a escolha deste tema se justifica pela necessidade de compreender como o professor atua em sua prática pedagógica, uma vez que, além de ser a língua oficial da comunidade surda, é um direito assegurado com a implementação da lei (LDB, 1996) que garante a todos os portadores de necessidades especiais o acesso a uma modalidade de educação especial, oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino.
Contudo, através de estudos anteriores, foi possível constatar que nem sempre a LIBRAS é a primeira língua, pois um número significativo de surdos apresenta uma linguagem, com designações muito particulares e não convencionadas, o que na maioria das vezes, acaba por gerar dificuldades no aprendizado.
Pensando nessas dificuldades e na futura universalização da escrita da Língua, também protegida por lei, a proposta de ensino desta Instituição é que os alunos aprendam não diretamente a Língua Portuguesa, mas também da escrita da  LIBRAS, que se dá através da escrita dos sinais.
O problema que se apresentou como questão central foi compreender como se dá o aprendizado da LIBRAS como L1 (primeira Língua) e da Língua portuguesa como L2(segunda Língua), das crianças surdas de uma escola cascavelense.
Para se chegar a este objetivo fez-se necessária a elaboração dos objetivos específicos que buscam apontar as percepções dos professores quanto ao ensino da LIBRAS; compreender o processo de aprendizagem da Língua de Sinais e Língua Portuguesa (L1) e (L2); e investigar os procedimentos metodológicos dos professores e o aprendizado dos alunos.
A fundamentação teórica através da qual pôde ser feita a análise e reflexão baseia-se na LDB (Lei de Diretrizes e Bases Nacional) que trata dos direitos relacionados à inclusão de crianças portadoras de necessidades especiais preferencialmente no ensino regular, ou não sendo possível, em escolas especializadas que atendam às condições específicas dos alunos, entre outras bibliografias que tratam da inclusão ou aquisição da Língua Portuguesa, tais como: Declaração de Salamanca, Lei 10436/02 que reconhece a LIBRAS como Língua Brasileira de Sinais, Menezes e Santos (2002), Karnopp e Klein (2007), Karnopp (2003, 2005), Lebedeff (2004), Farias (2006), Quadros (1997, 2000), Lacerda (2000).
A abordagem do tema apresentado neste artigo foi organizada em três capítulos que compreendem: LIBRAS e Surdez – Conceitos, O processo de aprendizagem de L1 e L2 em crianças surdas, Práticas docentes no contexto institucional.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

SURDEZ E INCLUSÃO
A educação inclusiva propõe a participação de todos os estudantes nos estabelecimentos de ensino regular. Contudo, é possível reconhecer que há situações em que os alunos precisam de atendimento especializado, o qual exige realmente reestruturação da cultura, da prática pedagógica e políticas que atendam à diversidade dos alunos, mudanças que realmente possam atender às necessidades dos alunos.
O presente trabalho não pretende centrar-se em termos médicos, mas atingir o conhecimento das limitações na aquisição da L1 e L2, ou seja, LIBRAS ou Língua Portuguesa, ao aluno surdo, por isso, faz-se um breve conceito sobre surdez.
Entende-se surdez, em termos médicos, categorizada em níveis do ligeiro ao profundo. Os tipos de surdez quanto ao grau de perda auditiva:
- Perda auditiva leve: não tem efeito significativo no desenvolvimento desde que não progrida, geralmente não é necessário uso de aparelho auditivo;
- Perda auditiva moderada: pode interferir no desenvolvimento da fala e linguagem, mas não chega a impedir que o indivíduo fale;
-  Perda auditiva severa: interfere no desenvolvimento da fala e linguagem, mas com o uso de aparelho auditivo poderá receber informações utilizando a audição para o desenvolvimento da fala e linguagem;
- Perda auditiva profunda: sem intervenção a fala e a linguagem dificilmente irão ocorrer.
Do ponto de vista educacional, a surdez não interfere no desenvolvimento cognitivo, mas para que a criança tenha um bom desenvolvimento, o Governo brasileiro implementou  a Lei 10436/02 que reconhece a LIBRAS como língua sendo de direito aos surdos através de um intérprete e que as aulas sejam ministradas em LIBRAS através deste profissional. Entende-se LIBRAS, segundo a mesma Lei, como a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.
A LIBRAS, como toda língua de Sinais, é uma modalidade gestual-visual porque utiliza, como canal ou meio de comunicação, movimentos gestuais e expressões por  faciais que são percebidos pela visão; portanto, diferencia-se da Língua Portuguesa, que é uma língua de modalidade oral-auditiva por utilizar, como canal ou meio de comunicação , sons articulados que são percebidos pelos ouvidos. Mas, as diferenças não são somente na utilização de canais diferentes, estão também nas estruturas gramaticais de cada língua. (REVISTA DA FENEIS, número 2, p.16).

Em função das diferenças entre as duas línguas, mostra-se a dificuldade em incluir alunos surdos em sala de aula. A adaptação do aluno torna-se mais difícil em função da dificuldade do professor de ensinar a estrutura da LIBRAS, inserida na Língua Portuguesa.
Para Menezes e Santos (2002), o princípio fundamental da escola inclusiva, de que trata a Declaração de Salamanca, é o de que todas as crianças deveriam aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter. Dentro das escolas inclusivas, as crianças com necessidades educacionais especiais deveriam receber qualquer apoio extra que possam precisar, para que se lhes assegure uma educação efetiva (...)”.
Mesmo que a proposta de inclusão seja coerente, na prática ela torna-se uma dificuldade e esse aprendizado simultâneo de que trata a Declaração, nem sempre acontece. Mesmo em turmas ditas como “heterogêneas”, cada aluno tem seu ritmo de aprendizagem e desenvolvimento. Da mesma forma, acontece com a aquisição da língua, que em condições adversas, acaba por “excluir” o aluno e frustrar o professor.

A EDUCAÇÃO ATRAVÉS DO BILINGUISMO

Farias (2006), apresenta um estudo de caso no qual o bilinguismo, ou seja, o conhecimento de LIBRAS e Língua Portuguesa caracterizaram-se como descontextualizadas e por meio de estratégias próprias ao ensino de ouvintes e dessa forma, questiona a aquisição de L1 e L2 nesse meio. A pesquisa foi feita através de observações e coleta de dados com produções feitas pelos próprios alunos, trabalhos estes, que ao longo do semestre pouco evoluíram em conhecimento, grau de dificuldade e aquisição da língua escrita.
Também Karnopp e Klein (2007) investigam a realidade educacional e linguística dos alunos surdos, partindo de histórias infantis traduzidas e contadas por professores que têm pouco conhecimento da LIBRAS e baseiam suas metodologias na cultura oral, sendo a língua um fator distanciador entre professor e aluno. Karnopp (2003, 2005) e Lebedeff (2004) acrescentam que os textos produzidos na escola são, freqüentemente, artificiais e simplificados, desconsiderando as diferentes práticas discursivas, os diferentes gêneros textuais e a capacidade dos surdos.
Ao comparar as diversas propostas de ensino de L1 e L2, é possível ressaltar que a escrita de grafemas que representam a LBRAS tem trazido mais resultados positivos. É a mesma da Língua de Sinais, só que em forma escrita, formada por unidades que correspondem às configurações de mão, os movimentos e as expressões faciais em diferentes pontos de articulação formam palavras mediante algumas combinações e contextos. Para Quadros (1997, p.6); a LIBRAS deve ser entendida como forma de aquisição da linguagem e ainda, a alfabetização deve ser através desses grafemas que representam diretamente a Língua de Sinais.
Essa forma de proposta bilíngüe busca valorizar os direitos da pessoa surda, pois a aquisição da Língua de Sinais como primeira língua é a forma de oferecer-lhe um meio natural de aquisição linguística, ou seja, apropriar-se de sua língua como direito a qualquer outra pessoa.
Contrapondo-se à valorização unicamente da LIBRAS, Lacerda (2000, p.73), ao sinalizar, a criança desenvolve sua capacidade e sua competência linguística, numa língua que lhe servirá depois para aprender a língua falada (através da oralização e leitura labial), do grupo majoritário, como segunda língua, tornando-se bilíngue, numa modalidade de bilinguismo sucessivo. Contudo, a proposta aqui apresentada, não é de oralização e leitura labial, o que muitas vezes ocorre naturalmente, pela necessidade de comunicação, mas pela comunicação através da LIBRAS, L1 do surdo devendo ser respeitada como tal.
Somado a isso, Quadros (1997a, p. 28) apud FARIAS cita ainda a declaração dos direitos humanos linguísticos, segundo a qual

[...] todos os seres humanos têm o direito de identificarem-se com uma língua materna e de serem aceitos e respeitados por isso; todos têm o direito de aprender a língua materna(s) completamente, nas suas formas oral (quando fisiologicamente possível) e escrita; todos têm o direito de usar sua língua materna em todas as situações oficiais (inclusive na escola); todos os utentes de uma língua materna não-oficial em um país têm o direito de serem bilíngües, isto é, o direito de terem acesso a sua língua materna e à língua oficial do país.


Para que se efetive o bilinguismo, faz-se necessário sujeitos conhecedores de ambas as línguas. De nada adianta que o surdo saiba a LIBRAS e mesmo assim esteja fora do contexto social no qual inevitavelmente está inserido. O bilinguismo deveria fazer parte do currículo de atividades das escolas, para que não fosse língua exclusiva dos surdos, mas que servisse como meio de comunicação entre surdos e ouvintes bilíngües. A partir desse conceito, poderia se pensar em inclusão.  
Quanto às formas de bilinguismo existentes em termos de educação de surdos, Quadros (1997a, p. 30) apud FARIAS cita duas configurações básicas: “uma delas envolve o ensino da segunda língua quase de forma concomitante à aquisição da primeira língua, e a outra caracteriza-se pelo ensino da segunda língua somente após a aquisição da primeira língua”. A linguista, no entanto, considerando Skutnabb-Kangas (1994), ressalta que a primeira forma depende da origem das duas línguas, ou seja, a aquisição da língua de sinais e o desenvolvimento da língua oral ocorrem paralelamente, “se a aprendizagem das duas línguas se der dentro da própria família com falantes nativos e/ou se a aprendizagem de duas línguas ocorrer paralelamente como necessidade de comunicação” (QUADROS, 1997a, p. 31).
Já Lacerda (2000) verifica a falta de preparo da comunidade escolar em relação ao aluno surdo e idealiza a escola na qual o aluno possa realmente estar inserido e ser compreendido em sua Língua através de intérprete. A pesquisa que levou á essa constatação se fez através de videogravações em uma sala de aula com uma criança surda, sem domínio do português falado e usuária da LIBRAS, mostrando-se desmotivada com as atividades inspiradas na língua oral. Segundo Lacerda (2000, p.80, 81), esse contato revela tensões, dificuldades de articulação, impasses – que não convergem, contudo, para um confronto, mas sim para ajustes, negociações e trocas que apontam para infinitas possibilidades de composição dentro do espaço educacional.
A educação de surdos continua apresentando muitas dúvidas a professores, alunos ouvintes, alunos surdos, pais... Contudo, a proposta de educação bilíngue, ou ainda, inclusiva, irá continuar dependendo do cumprimento de leis, melhor formação de professores, mais envolvimento da comunidade escolar, do contexto cultural e social. A partir dessas modificações, a tão aspirada educação passará de “tentativa” para “realidade”.


























[1] Aluna do curso de pós-graduação lato sensu em Educação Especial e graduada em Letras-Licenciatura
[2] Professora orientadora

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